Comentários motivados pela leitura do livro Motivação 3.0 de Daniel Pink
Se você tem uma equipe para supervisionar, vai gostar bastante do livro Motivação 3.0: Os novos fatores motivacionais para a realização de Daniel Pink (link afiliado), que já comentei rapidamente em um vídeo de uma animação da RSA Animate. O motivo de gostar tanto desse livro é que ele apresenta elementos que não são muito óbvios sobre o tema de motivação no trabalho.
Para nós, o óbvio seria separar motivação intrínseca, aquela baseada em valores internos, da motivação extrínseca, aquela baseada em recompensas exteriores. Daniel Pink desconstrói de forma satisfatória essas duas obviedades, que terminamos o livro denominando de mitos.
O autor realiza um ótimo trabalho nesse livro. Ele conta como aquilo que a gente imagina ser elemento motivacional (como por exemplo o pagamento em dinheiro) nem sempre é o que faz as pessoas ficarem interessadas por uma atividade. E, inclusive, o dinheiro pode até mesmo contribuir para afastar e alienar as pessoas.
Segundo a teoria de Daniel Pink, recompensas como aumentos de salário, bônus, comissões, títulos pomposos ou a sala maior do escritório, possuem um efeito temporário. É parecido com a cafeína e o chocolate que deixam a gente elétrico por um curto período de tempo. Depois que o efeito passa, a motivação para as pessoas continuarem acaba até diminuindo, e elas querem mais e mais em uma constante insatisfação.
O autor diz que isso acontece pelo fato de a gente ter a tendência a sempre buscar algo novo e permanecer em movimento.
Imaginei algo como a experiência de jogar um videogame bacana: se for muito fácil, não tem graça. Se for muito difícil, deixa a gente irritado. O videogame bacana é aquele que vai apresentando desafios cada vez mais interessantes conforme passa o tempo.
Já jogou Angry Birds? No começo, é bem simples, e a gente tem muita dificuldade em simplesmente jogar o passarinho vermelho no alvo. E conforme passam as fases, precisamos de cada vez mais estratégia e pontaria. Por isso é viciante: é um game que promove um constante aprendizado.
Agora, tiremos os elementos de diversão e de constante desafio do Angry Birds. Pense em fases sempre parecidas, mudando apenas a cor do cenário, porém complexidade constante.
Aparece alguém que te diz: vou te pagar cinquenta reais para cada dia de jogo. Você vai achar bacana, né? Imagine só, ganhar dinheiro para jogar um joguinho. Mas, conforme vai passando o tempo, aquele ânimo sobre o dinheiro representa algo cada vez menor, o jogo fica cada vez mais insuportável. Virou obrigação. E mal paga por sinal.
Existe a possibilidade de retomarmos o elemento diversão do Angry Birds? Daniel Pink nos mostra alguns caminhos. Fiz um arranjo muito particular a partir da leitura do texto.
O que é motivação 3.0?
Antes de pensar em motivação 3.0, primeiro vamos falar sobre a motivação 2.0, aquela em que a gente acreditou por muitos anos: para aumentar a produtividade e engajamento, basta recompensar as boas ações e punir as más ações. É como colocar a cenoura pendurada numa vara de pescar na frente do burro, e manter um chicote na outra mão.É basicamente o fundamento da nossa economia até então, na análise do autor.
Vou oferecer um exemplo. Vamos pensar na Enciclopédia Barsa. Eles precisam de times enormes de editores e especialistas para ter um material de qualidade. Dizer para as pessoas que voluntários esparramados ao redor do mundo poderiam se unir e preparar uma enciclopédia ainda melhor, mais completa e de graça seria uma heresia há algum tempo. Até que a Wikipedia mostrou que existe algo além desse pensamento básico de incentivos e punições. A coisa é um pouquinho mais complexa.
Uma importante parte da equação esquecida na motivação 2.0 é o prazer, a motivação intrínseca de fazer algo criativo, de fazer a coisa certa, de contribuir, de ajudar, de se divertir, de aprender. É o que motiva pessoas a resolver quebra-cabeças, a jogar vídeogames por horas.
Conhece a história do museu do hambúrguer? Diz a lenda (não verifiquei se é verdade ou não, mas como ilustração é perfeitamente palpável) que um rapaz foi ao McDonalds e comprou dois hambúrgers. Ele comeu um e colocou o outro no bolso do casaco para comer em casa.
Esqueceu o hambúrguer no bolso por vários dias e, quando olhou, o hambúrguer estava em perfeitas condições. Não tinha estragado. Ele achou curioso e resolveu manter o hambúrguer guardado. Existe até um vídeo no YouTube falando do hambúrguer biônico. Inclusive parece que ele montou um museu, onde todos os anos ele compra um novo hambúrguer, coloca uma etiqueta e deixa lá, para ver o que acontece.
Agora. Qual é a motivação desse cara? Será que é ficar famoso e ganhar dinheiro com a audiência? Dificilmente. Ele descobriu algo interessante e está se divertindo com o experimento. Só isso. Apenas imagino, pois não conheço muitos detalhes, essa foi apenas uma ilustração que pode ser levada para outros setores de nossa vida:, quantas outras coisas fazemos com nosso tempo sem uma expectativa financeira?
Por que alguém escreve um blog especializado? Alguns podem fazer com o objetivo inicial de ganhar dinheiro com AdSense e publicidade. Geralmente são os blogs que não sobrevivem. O cara perde a motivação rapidamente. Mesmo quando ganha um certo dinheiro. Não dá pra ficar escrevendo sobre coisas que a gente não gosta por muito tempo.
Nesse sentido, podemos abrir um pouco nossa mente para ver como a economia não é um estudo que envolve finanças, mas o comportamento humano. Daniel Pink revela que seus estudos apontam para o fato de pessoas terem maior probabilidade de encontrar alto nível de realização no trabalho, e não no lazer. Eu mesmo posso dizer que quando tiro férias muito compridas, começo a ficar com vontade de trabalhar.
O motivo de eu me sentir assim é pelo fato de meu trabalho não ser uma atividade de rotina. Se meu trabalho fosse maçante e repetitivo, daria graças a Deus por estar longe do escritório. Mas meu trabalho é altamente criativo. Estou em constante contato com meus clientes, produzindo novos materiais.
Pouco dinheiro torna seu colaborador miserável. Muito dinheiro não o deixa necessariamente feliz
Esse papinho meio hippie “é importante fazer o que gosta e o salário não importa” não pode deixar de lado um ponto importante. As pessoas têm contas a pagar. Como é que o dinheiro entra nessa equação de felicidade e motivação?
Se o mínimo que uma pessoa precisa para viver decentemente não está sendo obtido na forma de salário ou pagamento, o foco desse indivíduo será na falta de justiça, causando indignação e ansiedade. No diálogo com a editora Rosana Rogeri durante o preparo deste texto, lembramos que existem também aquelas pessoas que só reclamam toda hora. Eu sugiro cortar as relações com essas pessoas o mais rápido possível.
Será difícil alcançar qualquer tipo de motivação, a não ser aquela movida pela raiva e ódio, que não é nada positiva (ok, sei que isso está parecendo diálogo do Star Wars!!).
Portanto, é necessário sim que exista uma remuneração adequada. Mas um pagamento bastante alto não produzirá um resultado sustentável de longo prazo.
Um outro aspecto importante é a comercialização das relações. Daniel Pink, assim como outros autores,em vários livros (Dan Ariely, talvez o Malcolm Gladwell também), usa o exemplo da transfusão de sangue e da coleta de crianças na escola. Curioso observar vários autores com os mesmos exemplos.
Quando a transfusão de sangue é voluntária, o número de doadores é maior que nos casos em que o hospital paga algum valor pelo sangue, de acordo com pesquisas feitas no exterior. No segundo caso, o doador se sente um vendedor de sangue, e o pagamento remove toda a nobreza do ato solidário. Vira uma transação comercial.
Os autores de Freakonomics contam no New York Times que em uma escola em que os professores tinham problemas com alguns pais que demoravam alguns minutos a mais para buscar os filhos, os diretores resolveram cobrar uma taxa de penalidade para cada pai que atrasava. E isso apenas fez com que houvesse mais atrasos: os pais entendiam que agora não havia o compromisso moral com o professor em tentar ser pontual. Eles poderiam comprar a conveniência de aparecer quando bem entendessem, tornando a ‘taxa’ como um serviço extra de babá.
Podemos pensar em algo mais familiar. Imagine que alguém te convide para um jantar na casa da vovó.Você, no final da refeição, joga uma nota de cem reais na mesa pela comida e bebida. Será altamente ofensivo, pois é como se não quisesse aceitar aquele presente, em uma atitude arrogante.
Quando oferecemos algo em troca de alguma coisa, é como se a outra parte perdesse um pouco de liberdade. E o trabalho é justamente isso, uma transação comercial. A diversão, por outro lado, é quando fazemos algo simplesmente pelo fato de dar na telha. Aliar esses dois processos – trabalho e diversão – parece uma receita milagrosa para motivação.
Motivando empregados e equipes
Os objetivos que as pessoas definem por si mesmas geralmente são buscados com maior afinco e paixão. Por outro lado, os objetivos impostos pelos supervisores, como metas de vendas, geralmente produzem efeitos bem nocivos.
Sou um grande defensor de definição de metas, e acho que elas cumprem um valioso papel no processo de coaching. Porém um efeito colateral negativo das metas é que ao tornar nosso foco mais limitado, muitas vezes limitamos nosso pensamento criativo e paralelo.
E em um nível mais inconsciente, o simples fato de oferecer uma recompensa subcomunica que a atividade é indesejada. Quando digo para uma criança fazer a lição de casa e assim ganhará um sorvete, estou indicando que estudar é algo doloroso e ruim.
Assim, as recompensas extrínsecas podem enfraquecer a motivação intrínseca, diminuir a performance e prejudicar o bom comportamento. Em casos mais graves, o brilho encantador da recompensa oferecida pode fazer com que a criatividade dos participantes seja utilizada para burlar o sistema, agindo de forma ilegal ou imoral. E isso é feito em um processo cíclico, afetando futuras atividades.
Basta que a recompensa seja justa e a partir daí poderemos desenvolver uma motivação intrínseca saudável. Veja quanto o mercado paga e siga o que é normal. Ficar despejando dinheiro não será a melhor solução para desenvolver um time de excelência.
O que é importante é assegurar a autonomia de seus funcionários, que devem ser encorajados a se tornarem melhores a cada dia, como um videogame faz muito bem. Além disso, será bastante útil a empresa ter uma clara missão, um propósito maior do que o interesse de cada indivíduo. Como contribuir para melhor educação pública, desenvolver produtos químicos mais biodegradáveis, encontrar formas de organizar o conhecimento humano e torná-lo acessível, ou aumentar a autoestima de adolescentes. São todos objetivos nobres que podem ser usados como parâmetro para o desenvolvimento de produtos e serviços.
Uma empresa saudável é aquela que tem uma missão clara de servir ao público. E o lucro que obtém é uma mera consequência de servir ao público através de seus produtos. É exatamente isso o que eu faço através da Arata Academy: produzo conteúdo que atende ao público.
Essa noção de significado é bastante clara em um outro livro que eu gosto muito e pretendo comentar aqui em breve: o Homem em Busca de Propósito de Viktor Frankl. Uma das formas que indica que algo é bastante importante para nós é a quantidade de esforço que colocamos na busca de melhoria. E a maestria total, que é o objetivo final dessa dedicação, é algo que nunca será atingido. É um objetivo impossível, que faz nosso foco ficar concentrado na jornada.
Além do propósito, é importante que a equipe se sinta competente, autônoma e apreciada.
Como oferecer recompensas extrínsecas
Realmente quer dar um bônus ou um brinde surpresa para quem faz um bom trabalho? Daniel Pink sugere que a recompensa extrínseca seja oferecida de forma inesperada e apenas após a tarefa ser completa. Em outras palavras, não pode fazer parte do pacote contratado.
Se apresentarmos a mera possibilidade de uma recompensa surpresa ao final, isso modifica expectativas da equipe e faz com que seu foco de atenção seja direcionado em conseguir a recompensa (e não em desenvolver sua criatividade!).
Quando existe a forte necessidade de resultados rápidos e sem necessidade de continuidade, é possível usar a recompensa extrínseca, uma vez que esse tipo de recompensa é bem imediatista. Porém, quando pensamos no longo prazo, geralmente as pessoas que se revelam vencedoras são as que possuem motivação intrínseca. Esses indivíduos geralmente possuem melhor autoestima, melhores relacionamentos, melhor capacidade de escuta e compreensão de seus colegas.
Ambientes que valorizam resultados
Um nível ainda mais radical é aquele em que ninguém tem um compromisso de horário na empresa. A equipe aparece quando quer. A única coisa que importa são os resultados. Os indivíduos decidem se preferem trabalhar em casa, de madrugada, de pijama ou durante 24 horas sem parar e descansar 36 horas.
Nesse ambiente, os objetivos são claramente definidos e existem gerentes para facilitar a coordenação. Mas o detalhe é que a remuneração não é diretamente relacionada aos objetivos alcançados, pois isso seria como dizer que a cultura da empresa apenas valoriza o dinheiro gerado pelo funcionário. O que se pretende, ao contrário, é celebrar a criatividade dos indivíduos em alcançar resultados.
Gerenciando com autonomia
Daniel Pink recomenda que a autonomia seja fortemente valorizada na empresa. Isso não quer dizer que cada um deve sair fazendo tudo sozinho e nunca depender dos outros. Ao contrário: a boa autonomia é aquela em que os indivíduos podem se organizar por iniciativa própria e, juntos, colaborarem para alcançar grandes resultados.
Pessoalmente, eu acredito que a autonomia é bastante positiva e é uma das formas de respeitarmos indivíduos. Quando é necessário gerenciar, ao invés de ir às minúcias, o que eu gosto de fazer é apenas pedir uma única coisa das pessoas com quem trabalho de forma remota: que me enviem um email diário, contando o que elas fizeram, que dificuldades elas encontraram e que perguntas elas possuem. Apenas isso. É um email que pode ser escrito em cinco minutos ou menos e é suficiente para mantermos bom contato.
Uma variação desse método que dá ainda mais autonomia à equipe é pedir que cada membro faça uma avaliação de como está se saindo. Essa avaliação pode ser feita semanal ou mensalmente.
A autonomia ideal é aquela em que nós mesmos podemos traçar nossos limites.
Uma coisa curiosa que eu recomendo para quem trabalha em casa é considerar sair de casa em alguns momentos para ter um ambiente sem interrupção. Isso é aparentemente absurdo, já que a grande vantagem de trabalhar como autônomo é trabalhar em casa. Mas, quando nós mesmos é que decidimos ir para uma biblioteca ou outro espaço, essa acaba sendo uma dimensão de nossa autonomia. Um exemplo é o caso de gente que ganha dinheiro importando da China usando o sistema do meu amigo Caio Ferreira (link afiliado).
Quando eu mesmo decido que tenho um prazo de cinco dias para resolver todos os assuntos de migração do meu site para outro serviço de hospedagem, é um prazo que eu mesmo defini. E sem colocar esses limites, sei que poderei procrastinar. Mas estou satisfeito, pois no final das contas eu estou no comando, decidindo de forma autônoma.
Por fim, é importante voltarmos sempre à analogia do videogame. Entender que quando o indivíduo começa a se sentir aborrecido, é pelo fato de provavelmente ter alcançado um grau de experiência muito superior às demandas do dia a dia naquela área. Mantenha-o sempre confortável de que ele poderá encontrar um profissional mais jovem para ser treinado e assumir essas tarefas, de modo a buscar aprendizado em outros desafios dentro da empresa.
Para quem não deseja ler o livro inteiro, os comentários que fizemos neste texto, junto com o vídeo abaixo podem ajudar bastante como um guia de orientação para reformular estratégias de engajamento e inspiração de funcionários:
Créditos:
Livro “Motivação 3.0”: Daniel Pink
Produção: Seiiti Arata
Edição: Rosana Rogeri – Docencia in Loco